CropLife Portugal

Julho 30, 2019

O clima em 2100 por Pedro Matos Soares

Há uma questão central para a agricultura e para alimentação: como será o clima no futuro?

 

Pedro Matos Soares, Doutorado em Física das Nuvens e investigador do Instituto D. Luís, que se dedica ao estudo de modelos de previsão do clima para a Europa e África, responde à questão.

De acordo com um estudo recente, publicado na revista PNAS, se hoje em dia tivéssemos o clima que se projeta como mais provável para o ano 2080, perderíamos anualmente 1% do PIB no Sul da Europa. Portugal está num processo contínuo e acelerado de aumento da temperatura, desde os anos 90 do século passado.

As projeções para final do século XXI indicam perdas médias de 20% na precipitação e um aumento de 15% a 20% da evaporação. Vistos estes números de forma simplista, no final do século poderemos ter metade da disponibilidade de água nos nossos solos. Neste cenário, grande parte da nossa agricultura de regadio estará comprometida.

Todos os cenários apontam para um aumento significativo do número de anos de seca no futuro. Atualmente, em média por cada década há um ano de seca, no final do século são projetadas três a quatro anos de seca por cada década. A gestão corrente dos setores agrícola e florestal vai ter que mudar bastante de paradigma para acomodar estes fatores.

Os setores agrícola e florestal deviam ter a capacidade de depender o menos possível da água, que vai ser um bem essencial sob muita pressão. Por outro lado, deverão optar por culturas muito resilientes a extremos de temperatura. Os solos vão estar sujeitos a enorme pressão hídrica, por evaporação da água causada pelo calor e pelos efeitos de lavagem das chuvas extremas. Neste cenário de alterações climáticas, as monoculturas intensivas florestais têm que ser repensadas, caso contrário poderemos ter consequências dramáticas. A política de ordenamento do território tem que ser claramente diferente.

A resposta é complicada. Como Físico terei todo o gosto em quantificar o impacto desses grandes reservatórios no ciclo da água, através de modelos físico-matemáticos. Se não houver uma inflexão tremenda dos cenários de projeção climática, esses reservatórios vão estar sob um stress hídrico muito superior, a meio e no final do século XXI, do que hoje em dia.

Estudos mais focados em África, em países com secas recorrentes, indicam um aumento substancial da pressão das pragas, com perdas de um terço da produção em algumas culturas agrícolas. Estes estudos não foram ainda feitos para Portugal, mas deveriam ser, pois com um clima que se assemelhará ao clima do Norte de África, a biodiversidade e a pressão de pragas e de vetores de doenças será certamente diferente da atual.

Precisamos de políticas a longo-prazo que sejam conscientes destes cenários de projeção climática. Temos que diversificar o setor agrícola e regressar à nossa riqueza florestal mais autóctone e menos intensiva, que requer pessoas no território. A política de repovoamento florestal deve basear-se em espécies preparadas para um clima semiárido, com pouca disponibilidade de água, que não dependam da irrigação. Quando tivermos menos água disponível o abastecimento público será prioritário.