Desperdício Alimentar, Perda Alimentar, e o Impacto da Ciência nas Plantas
O desperdício e perda alimentar são fenómenos que, ano após ano, continuam a aumentar, com consequências preocupantes para a sociedade, como a ameaça à segurança alimentar. Mas afinal, quais as principais diferenças entre perda alimentar e desperdício alimentar? Face a estes dois cenários, com efeitos devastadores transversais, como é que o risco de insegurança alimentar pode aumentar e onde é que a ciência pode ajudar a reduzir a perda e o desperdício de alimentos?
Num artigo escrito e publicado pela Croplife* pretende estabelecer-se as diferenças entre estes dois termos e descobrir o que está a ser feito actualmente para aproveitar ao máximo o nosso abastecimento alimentar, reduzindo a perda e o desperdício. Mais do que isso, pretende identificar-se também o que acontece aos alimentos quando falamos de perda e desperdício, bem como o que podem os países fazer para combater este flagelo, concretamente, recorrendo à ciência e à sua capacidade de optimização de resultados.
Diferença entre perda e desperdício alimentar
Tanto a perda como o desperdício de produtos alimentares provêm de um ciclo que começa no produtor, passando pela exploração agrícola e que só termina na nossa mesa. Assim, sabe-se que:
- PERDA (Food loss) = refere-se a qualquer produto que envolva produtores, agricultores e fornecedores até ao ponto em que se torna disponível para o ato de compra. Perdas não intencionais que ocorrem na cadeira produtiva dos alimentos;
- DESPERDÍCIO (Food waste) = refere-se a qualquer produto que é desperdiçado a partir deste momento, incluindo em lojas, supermercados, restaurantes e no próprio cliente/consumidor. Perdas deliberadas que ocorrem na comida apta para o consumo, seja por descarte ou pela não utilização
Como é que perda e desperdício afectam a segurança alimentar?
A perda de alimentos é um problema particularmente mais notório nos países em desenvolvimento, onde as fraquezas nas cadeias de abastecimento são mais comuns. Uma cadeia de abastecimento funcional é crucial para garantir que os alimentos cheguem aos destinos que mais dependem deles. Se esta se quebrar, seja ao nível de colheitas reduzidas, armazenamento insuficiente ou incapacidade de embalar e transferir mercadorias, os consumidores poderão experimentar a escassez de alimentos ou flutuações, tantas vezes incomportáveis, nos preços. Para as comunidades mais vulneráveis isto reflete-se, naturalmente, em insegurança alimentar – esta situação pode ser agravada com o surgimento de eventos inesperados, como por exemplo, uma pandemia, devido a uma variedades de fatores onde se inclui a redução da disponibilidade de terras e falta de mão de obra para trabalhar.
De acordo com o professor de Política Alimentar, Tim Lang, cuja área de investigação está centrada na exploração detalhada sobre a segurança o desperdício alimentar: “a segurança alimentar é uma questão complicada que envolve mais do que apenas a quantidade de alimentos.” No seu livro Feeding Britain: Our Food Problems and How to Fix Them, Lang enfatiza que falar de segurança e desperdício, implica ter presente noções como: a auto-suficiência, a segurança, o risco e a resiliência – capacidade de recuperação dos sistemas quando estes sofrem choques.
Combater a perda de alimentos
Um campo, que está plantado, é o primeiro lugar na cadeia de abastecimento, onde a perda de alimentos pode acontecer. A seca é um dos principais contribuintes para o problema e foi responsável por 83% de todas as perdas e danos globais nas colheitas entre 2006 e 2016, por todo o mundo. Quando olhamos mais detalhadamente para o mundo em desenvolvimento, conseguimos observar que 50% de todas as culturas são, normalmente, perdidas devido a: pragas, doenças específicas da cultura ou perdas pós-colheita. Para além destes, os desastres naturais também podem ser devastadores para os agricultores: entre 2005 e 2015, os agricultores perderam milhares e milhares de euros, em colheitas e gado, devido a inundações e outras catástrofes naturais.
De acordo com o Índice de Perda Alimentar (Food Loss Index) da ONU, em média, 14% da comida no mundo é perdida entre os estágios pós-colheita e consumidor, devido a problemas como: instalações inadequadas de armazenamento, transporte ou mesmo erro humano. Estas perdas variam de região para região e é aqui que devemos centrar as nossas atenções, sobretudo, quando falamos de países em desenvolvimento. Como refere ainda o professor Lang, “em países mais pobres, há grandes quantidades de perdas nos campos devido ao armazenamento insuficiente, às instalações precárias e à logística inadequada para levar os alimentos da terra para os centros urbanos.”
E é precisamente aqui que se impõe o papel da ciência: se ainda assim, perante um quadro evolutivo e onde a ciência se tem desenvolvido cada vez mais ao serviço do ser humano as perdas são graves, seriam muito piores se os agricultores não pudessem socorrer-se desta e aplicá-la nas culturas. Os produtos fitofarmacêuticos, fornecem às culturas uma defesa vital contra pragas, doenças e infestantes durante a produção e a colheita. Sem eles, as perdas nas colheitas dobrariam, a cada ano.
Em países em desenvolvimento, a tecnologia tem criado oportunidades profundamente transformadoras no setor. As culturas biotecnológicas, por exemplo, têm ajudado a evitar perdas pré-colheita, pois protegem a cultura contra-ameaças como: doenças, pragas e infestantes, o que poderia custar aos agricultores 60 a 80% da sua produção em algumas regiões.
E quanto ao desperdício de alimentos?
Quando falamos de desperdício alimentar o cenário não merece menos atenção: tanto quanto se sabe, contribui em cerca de 8%, para as emissões globais de gases com efeito de estufa, podendo causar tantos danos quanto o plástico. E aqui, a questão torna-se particularmente mais grave já que os alimentos podem ser considerados impróprios por razões tão sensíveis como a forma, o tamanho ou a cor. Nos supermercados, que ocupam grande parte da cadeia de abastecimento alimentar e onde o desperdício mais vezes acontece: se as maçãs não são vermelhas o suficiente, podem ser consideradas impróprias para a venda ao público. No Reino Unido, onde os grandes retalhistas representam 85% de participação no mercado, por exemplo, 25% das maçãs, 20% das cebolas e 13% das batatas são desperdiçadas por razões puramente cosméticas.
Mas esta não é a única fonte de desperdício comercial. De acordo com a Winnow, uma empresa tecnológica que combate o desperdício de alimentos, os restaurantes podem desperdiçar até 12% dos seus gastos totais com comida. A National Geographic, por outro lado, diz que quando uma crise chega às escolas, restaurantes, mercados, entre outros, e estes são obrigados a fechar portas, os agricultores enfrentam um enorme problema de suprimento porque não há lugar para produtos que são altamente perecíveis.
Os consumidores, por acréscimo, também deitam fora os alimentos com muita facilidade. Uma das razões é quando os alimentos atingiram a data de validade, mesmo que esta continue adequada para o consumo. A falta de conhecimento ao ler rótulos e validades confundem o consumidor: ‘consumir até’ e ‘consumir de preferência antes de’. Além disso, muita comida é desperdiçada simplesmente porque as famílias compram em excesso.
Desafiar o problema do desperdício
Existem várias maneiras de combater o desperdício, desde planos elaborados pelo Governo até ações de empresas a título individual. O mais importante é que todos – empresas e indivíduos – sejam, cada vez mais, conscientes sobre a quantidade de alimentos que consomem e armazenam. E os exemplos estão espalhados um pouco por todo o mundo: na Austrália, onde o desperdício de alimentos custa à economia cerca de 20 biliões de dólares a cada ano, o governo introduziu uma estratégia nacional de desperdício de alimentos, apoiando acções coletivas de redução. No Reino Unido, a Tesco, a maior rede de supermercados, anunciou uma queda de 17% no desperdício de alimentos em 2018/2019 depois de ter implementado planos para distribuir excedentes alimentares a funcionários, a instituições de cariz social e a grupos comunitários.
Nos Estados Unidos da América, algumas empresas como a Imperfect Foods entregam aos clientes alimentos com desconto que foram considerados imperfeitos. “As imperfeições que costumam ser pequenas peculiaridades na aparência de um produto, não afetam nem o sabor nem a nutrição do mesmo”, explicou Philip Behn, CEO da Imperfect Foods.
Em Portugal, veja-se o exemplo do projecto Fruta Feia, que já retirou “do lixo” duas mil toneladas de fruta e entregou um milhão de euros aos agricultores portugueses. O projeto Fruta Feia evitou que, nos últimos seis anos, duas mil toneladas de frutas e legumes fossem parar ao lixo somente devido à sua aparência, evitando assim o desperdício alimentar.
As ações de todos contam. Desde o ciclo de produção até ao consumidor, o que colabora ainda no cumprimento da décima segunda meta do Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, onde o desperdício alimentar global deve ser reduzido pela metade até 2030.
Este tipo de esforços, aliados ao desempenho vital da ciência e tecnologia aplicada às plantas, são o que faz a diferença na perda de alimentos e, que em última análise, tem impacto positivo na redução da fome no mundo. Um exemplo excelente são as maçãs do Ártico, desenvolvidas nos EUA, que com recurso a modificações no genoma, a partir do uso da tecnologia CRISPR, não oxidam, combatendo o desperdício de alimentos (uma vez que têm maior durabilidade e menor probabilidade de serem deitadas fora). Uma solução possível, num país onde a demanda por frutas e legumes é enorme.
Mas, isto é apenas o começo, pelo que, urgente é compreender a causa e perceber que ferramentas temos à disposição para a vencer. Inegável é, uma vez mais, o poder da ciência na contribuição para a segurança alimentar de todos.